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Brasil é o país que mais mata por homofobia

  Segundo o levantamento diário do GGB (Grupo Gay da Bahia), 445 mortes relacionadas ã homofobia foram registradas em 2017, incluindo suicídios. O número de assassinatos ultrapassa a do ano anterior e, pela primeira vez, foi registrado mais de uma morte a cada 24 horas. As estatísticas podem ser piores para o grupo LGBTQI+, já que a pesquisa é feita por notícias encontradas na mídia e informações pessoais, gerando um índice abaixo da realidade.

  O blog "Quem a Homofobia Matou Hoje", criado pelo antropólogo Luiz Mott, dá continuidade ao trabalho de levantamento de dados feito pelo GGB, que há 38 anos publica as estatísticas em um relatório anual. Segundo a pesquisa de 2017, a maioria dos casos é marcada por mortes extremamente violentas, utilizando armas de fogo (30,8%) e armas brancas perfuro-cortantes (25,2%), mas não é só isso que caracteriza um crime de ódio. A diferença dos dados de um mesmo estado em menos de 2 anos também caracteriza esse tipo de crime como afirma o analista de sistemas Eduardo Michels, que participa do levantamento: "Sua variação e imprevisibilidade."

   

  A principal motivação para coletar essas informações é a criação de políticas públicas de prevenção ao preconceito, pois em apenas 17% dos casos o criminoso foi identificado, e em 10%, punidos. A não punição é favorecida pela legislação brasileira, que não possui nenhuma previsão no Código Penal que proteja a população LGBTQI+ ou criminalize um ato homofóbico. 

  A situação é ainda mais complicada para as travestis e transexuais, que correm 14 vezes mais chances de serem assassinadas do que um gay. O projeto internacional TvT (Transrespect versus Transphobia), inicio pelo grupo TGEU (Transgender Europe), afirma que, nos primeiros 6 meses de 2016, 42% dos homicídios contra transexuais do mundo foram cometidos em solo brasileiro.

  A exclusão no mercado de trabalho é um dos principais motivos que explicam a maior vulnerabilidade das pessoas trans. Pesquisa realizada pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) mostra que, sem conseguir emprego, 90% das pessoas trans acabam entrando na prostituição em algum momento da vida. A profissão, que já é considerada de risco, acaba influenciando diretamente no aumento da violência, pois 47,5% dos homicídios motivados por homofobia foram cometidos por clientes, profissionais do sexo e desconhecidos em sexo casual.

       Bárbara Aires, estudante de jornalismo e assessora parlamentar, já passou por essa situação e foi alvo de preconceito em alguns episódios no mercado de trabalho. Enquanto fazia transição de gênero, aos 18 anos, foi demitida da boate em que trabalhava servindo bebidas por "ter mudado e a casa não comportar pessoas assim". A ex-produtora e consultora do programa "Amor e Sexo" sofria até quando dizia que trabalhava na TV Globo: "Sempre me perguntavam se eu fazia cabelo ou maquiagem, duvidando do meu potencial." E conta também que a proposta de salário para o cargo era tão baixa que o restante da produção falou que "nem faxineiro ganha tão pouco".

       

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Bárbara Aires conta episódios de preconceito em ambientes profissionais

Bárbara Aires fala sobre experiências na prostituição

  A saída da produtora também foi conturbada. Um tempo depois de ter sido demitida e após Fernanda Lima falar ao vivo que uma das maneiras de lutar contra o preconceito é empregar pessoas trans, Bárbara fez um texto nas redes sociais que explicava o motivo de ter sido retirada da emissora, mostrando que o discurso não funcionava na prática. Quando Fernanda assumiu a redação do programa, a única que não teve o contrato renovado em toda a equipe foi Bárbara, substituída por uma mulher cis - pessoas que se identificam com o gênero que nasceram. "O programa fica prometendo dar voz ao pessoal transgênero, dizendo que merecem mais oportunidades, mas, na hora de empregar gente na produção, eles não acham relevante, mesmo tendo essa possibilidade. A equipe do programa não está vivendo nos bastidores o que prega ao público", desabafou no Facebook.

  Enquanto não tinha uma renda estável, Bárbara dependia da prostituição para sobreviver. Ela atendia por telefone, ia para a rua e, quando morava em São Paulo, chegou a fazer times pornôs. Em 2015, enquanto estudava para fazer o ENEM, quase foi morar na rua por não ter tempo de atender os seus clientes. Quando conseguiu o emprego de assessora parlamentar do vereador David Miranda do PSOL, ela passou a ter condições financeiras de largar a prostituição, mas ainda cobrava quando um homem cis hétero lhe chamava para sair.

  "Hoje eu entendi que não posso dar para um homem o privilégio dele sair comigo sem pagar nada, porque ele não vai me dar o retorno de sair comigo. Socialmente, quando você está afim de uma mulher ou de levar ela para a cama, você a leva no cinema, convida para jantar, leva ao parque, você corteja ou no mínimo fica com ela. Com a gente, não. Quando você é travesti ou mulher trans, o homem quer o sexo , mas não quer ter o trabalho de ganhar o sexo com você, porque, na cabeça das pessoas, travesti e transexual só querem sexo e só servem para isso. Inclusive, só é travesti e transexual, porque gosta de sexo. Então, como eu sei que não vou ter a troca ali, eu sempre cobro", diz ela.

  A transexualidade é considerada uma doença e ainda está presente no Código Internacional de Doenças, classificada como CID10F64 e apresentada como transtornos mentais e comportamentais de transtornos de identidade sexual. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por exemplo, determina que os HSH (homens que fizeram sexo com outros homens nos últimos 12 meses) não podem doar sangue. Segundo o órgão público, "é extremamente importante que em nenhum momento se use as expressões 'homossexual' ou 'gay' ao falar sobre os doadores que têm restrição. O ideal é que usemos a expressão que corretamente designa o público que hoje sofre restrição, os HSH". 

  Em nota oficial no site da ANVISA, o Ministério da Saúde revela que "a orientação sexual não é usada como critério para seleção de doadores de sangue por não constituir risco em si e, além disso, as restrições estabelecidas estão fundamentadas em evidências epidemiológicas e técnico-científicas visando o interesse coletivo na garantia máxima da qualidade e segurança transfusional".

  A comunidade LGBTQI+ está buscando uma mudança nesse ponto e já esteve presente em algumas reuniões com o órgão, mas ainda não conseguiu obter um resultado que lhe satisfaça. O debate inclui a hipótese de mentir a informação no momento da doação, ou até mesmo de ter o risco de não saberem sobre a restrição, como foi o caso do Luiz. O professor de línguas estrangeiras conta que já doou sangue, mas não sabia da restrição, porque não foi perguntado no processo de triagem.

       Daniel Adorno, homem trans e estudante de história, considera essa medida um preconceito disfarçado e explica: "A contaminação não se restringe a homens gays, e sim a todos que têm uma vida sexual ativa. Se a preocupação fosse em relação a proteção àqueles que receberiam o sangue, ela teria que ser implementada a todas as pessoas que tiveram relações sexuais com homens nos últimos 12 meses."

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Daniel Adorno relata transfobia na UNIRIO

Daniel Adorno opina sobre medida que proíbe HSH de doarem sangue

  Mesmo quando são favorecidos por algum direito legal, a sociedade parece não respeitar. No dia 28 de abril de 2016, entrou em vigor o Decreto Nº 8.727, que possibilita a utilização do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestir ou transexuais. Quando entrou na UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), Daniel não teve o seu direito concedido: "Na lista de chamada estava meu nome de registro e eu não respondia. Na carteirinha de estudante, também. Sendo que, quando eu fiz a matrícula, eu levei a lei e falei que tinha direito de usar o meu nome social na faculdade e eles falaram que iam passar para um superior."

  Na faculdade, ele pode utilizar os banheiros conforme o gênero com que se identifica, mas reclama da desigualdade de tratamento entre os alunos: "Eles não me tratam como um cara. Eles não sabem como me cumprimentar e eu sou bem excluído nesse sentido."

  Recentemente, Daniel sofreu uma agressão física dentro da instituição de ensino durante uma festa que ele e a namorada estavam organizando juntos. Daniel não pode entrar em muitos detalhes porque ainda está tomando medidas legais para incriminar o agressor, mas garante que a causa foi transfobia e diz que está com medo de frequentar a própria faculdade.

  Ainda sobre preconceito, ele conta que não é a primeira vez que passa por uma situação desagradável e que a repressão já veio de dentro da própria casa. Quando os pais descobriram que gostava de meninas, Daniel teve tantas crises de ansiedade que acabou descontando em drogas ilícitas, fugindo de cada e criando "tendências suicidas", como ele próprio afirma. 

 

  A situação não foi diferente quando ele se descobriu transexual e começou a aplicar hormônios: "Minha mãe falou que ia estar eternamente de luto por mim e várias vezes meu pai virava para mim e falava que eu nunca ia ser um homem de verdade."

 

  Até mesmo sua namorada não ficou livre de reações homofóbicas. "Quando a família dela descobriu que eu era trans, não entendiam sobre o assunto e, automaticamente, assumiram que ela era bissexual ou homossexual. Felizmente esse quadro mudou recentemente. Veem que, apesar de eu ser trans, eu continuo sendo homem e ela, heterossexual", revela ele.

 

  Por tentar se encaixar nos padrões impostos pela sociedade, Daniel desenvolveu alguns problemas emocionais, toma remédio desde os 15 anos e implorou para ser internado em uma clínica que o ajudasse a tratar a depressão. Hoje em dia, ele não é mais dependente químico, e mora no Rio de Janeiro com o pai e o irmão mais velho.

 

  Apesar de ainda ter muitas questões a melhorar, todos os entrevistados concordam que o Brasil está caminhando para o melhor da comunidade LGBTQI+. Ao debater sobre o assunto, Daniel afirma: "Apesar da abertura para o assunto na mídia, a sociedade continua ignorante e destilando ódio. A maioria dos casos de homofobia e transfobia não são relatados por medo de mais exposição, o que levaria a um estado mais vulnerável da vítima. Não temos voz na sociedade ainda. Somos sexualizados, porque, incrivelmente, o Brasil é o país que mais procura por pornografia que envolva trans e travestis, mas também somos taxados como doentes."

 

                           Por Fernanda Casagrande

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